Silêncio
Nesta noite as
lágrimas escorrem silenciosas na casa da dona Luíza! Em volta de uma mesa de
madeira com uma toalha de plástico florida e um vaso de flores plásticas
dispostas ao centro, testemunhando a feminilidade latente, obscurecida pela
miséria e pela dor de uma menina que se fez mulher muito cedo. De uma mulher
que se tornou mãe quase sem querer. De uma mãe que se fez pai, para que seu
filho pudesse nascer.
Mas nascer não
é o bastante. É preciso crescer, desenvolver aptidões cognitivas, sensoriais e
morais que apenas uma família completa, em toda a sua complexidade pode
oferecer.
Contudo, o
Ruivo nasceu. Recebeu de batismo o nome de Marcelo. Nome complexo igual à vida
do rebento. Afinal, não é fácil crescer sem pai nem mãe, ainda que a mãe esteja presente,
sempre que possível, ao seu lado. Mas dona Luíza tem que trabalhar para
alimentar seu filho, seu tesouro. Aquele em quem investiu todas as suas
esperanças. Aquele que recebeu todo o seu amor.
Já o menino,
apelidado de Ruivo na vila em função de seus cachos ruivos que o destacavam dos seus
iguais, bem, não tinha muito a fazer entre a saída da escola e a volta da mãe.
Assim, por falta de outra ocupação, no campinho improvisado, depois de ganhar
muitos campeonatos, certo dia, por sugestão – pressão, nessa idade é pressão
mesmo! – dos amigos experimentou o cigarro. Logo veio a
bebida. Em seguida a maconha e finalmente, o crack!
A mãe, na sua
inocência, não percebeu, a princípio. Com o tempo, porém, a mudança de
comportamento do jovem, agora com nove anos, começou a chamar sua atenção. Ela
procurou as vizinhas, as comadres, e delas soube que muitos jovens ali estavam
se perdendo naquela droga maldita. Uma delas, sendo muito franca disse-lhe que
o Ruivinho estava envolvido. Dá para imaginar o desespero de uma mãe ao tomar
conhecimento de algo assim?
Em pânico,
dona Luíza agiu por instinto e pressionou o filho. Queria que ele falasse. Se
abrisse com ela, afinal, eram apenas os dois no mundo. Se ela não pudesse
ajudar, quem o faria?
Infelizmente
ele não reagiu como ela esperava. Ao invés de procurar seu colo, como fizera
tantas vezes no passado, ele a repudiou, ofendeu e fugiu de casa. Estava
comprometido demais.
Dona Luíza o
procurou tanto que o encontrou enfiado em um bueiro com um cachimbo de crack
nas mãos trêmulas. Ele cheirava pior do que o lugar onde se encontrava. Olhos
vidrados, expressão vazia. E logo após a primeira tragada uma alegria sem
sentido, desmensurada.
No seu
desespero, dona Luíza levou o filho para casa em seus braços, entorpecido. Logo em
seguida, contudo, objetos começaram a desaparecer. Ele os estava trocando
por pedras de crack!
Por não mais
saber o que fazer dona Luíza, precisando se ausentar para trabalhar, acorrentou
o filho esperando que assim, resolvesse o problema. Não resolveu. O menino
gritava sem parar. Gritos desesperados, de alguém que precisa muito e não tem.
Seus vizinhos,
apavorados com aqueles gritos acionaram o Conselho Tutelar que, cumprindo
seu papel, retiraram o jovem da mãe e o internaram para tratamento.
Dona Luíza, a
princípio, sentiu-se aliviada. Enfim a ajuda tão desejada chegara. Seu filho,
por outro lado, ainda sob o efeito da abstinência da droga, procurou e logo
descobriu uma maneira de escapar e assim que pôde foi correndo para seu
fornecedor.
Mas ele não podia pegar mais nada de casa. Também não possuía nada de valor para trocar pela droga. Em seu desespero,
a única alternativa que percebeu foi o roubo.
Na sua
primeira tentativa entrou na casa de um vizinho que estava armado e cansado de
ser subtraído por craqueiros.
O Ruivo, no
seu primeiro crime, caiu mortalmente ferido com uma bala na nuca.
Nunca acharam
a arma nem o culpado. Embora todos na vila soubessem quem fora o autor dos disparos. Mas, afinal, tratava-se
de, apenas, mais – ou melhor, menos - um
craqueiro no bairro, como disseram por ali.
Por isso,
nesta noite, as lágrimas escorrem silenciosas na casa da dona Luíza. Afinal, de
que adianta gritar se ninguém vai ouvir?
Cezar Lopes.'.
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