Traição

Por que todo traidor só trai a si mesmo, e ainda que pareça, muitas vezes, que se orgulha disso, lá no fundo de seu ser ele sabe que seu ato encerra um profundo desrespeito por si mesmo, e não há nada mais corrosivo para a mente e para a alma de alguém do que não ser capaz de respeitar a si mesmo, pois quem não se respeita não se ama, quem não se ama se despreza e quem se despreza, despreza e envergonha toda a beleza da criação.

- Você me traiu!

- Por que você permitiu! Você sabia que eu o trairia!

- Muito bem, defenda-se então.

- Defender-me? De quê? Você sabia e não fez nada para me impedir!

- Era direito seu escolher, não sou e nunca quis ser seu dono!

- E você acredita nisso? Mesmo?

- É a verdade.

- A verdade? A verdade? A verdade é que você ficou assistindo, certamente, se divertindo, pois tinha a certeza desse desfecho! E ainda diz que não é meu dono? Afinal de contas, o que você esperava de mim?

- Apenas que você se respeitasse, respeitando o amor que te dou incondicionalmente! Mas você escolheu recusar este amor, e ainda recusa! E então, você se arrepende dessa traição?

- Arrepender-me? Por quê? Para quê? Para viver à sua sombra sem poder, sequer, discordar de você? Não, eu não quero o seu perdão.

- Sinto muito por você!

- Sinta pelos seus filhos! Todos eles hão de me seguir, eu os terei todos ao meu lado.

- Você se equivoca!

- Tem certeza? Você fala em perdão. Já se perguntou se eles têm essa sua mesma noção de perdão? Não! Eles não têm e nunca terão. Por isso lhe digo, é para mim que eles virão. Não acredita? Faça uma enquete, pergunte a alguns deles, se perdoariam uma traição e veja por si mesmo o que lhe responderão. Vá em frente eu espero, não tenho, mesmo, outra opção.

Algum tempo depois...

- Talvez você tenha, em parte, razão. Mas são apenas crianças, ainda. Eu os ensinarei e eles aprenderão.

- Se é nisso que você acredita, desejo-lhe sorte, então.

- E quanto a você, não quer mudar de opinião. Estou lhe oferecendo mais uma vez o meu amor e o meu perdão.

- Guarde pra si suas ideias, seus disparates sem noção. Dê-me o que é meu e vou embora, não preciso de sua bênção.

- Pois bem, é com tristeza que lhe digo: que assim seja. Vá. Construa seu reino de amargura, mas deixe meus filhos em paz. Afinal, eles não têm culpa de sua conduta, Satanás.

- Veremos. Veremos.

E assim, Lúcifer se foi, para construir seu reino. Um reino sem amor e sem perdão. Um reino para aqueles que, assim como ele próprio, “vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem.” Mateus 13:13.

Cezar Lopes.