Pega ladrão!



“A verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade. O fim, pois [da pena], é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo.” Dos Delitos e das Penas, Cesare Beccaria.




Girino era tido e havido como um reles ladrãozinho. Contudo, sua última investida, ainda que não lhe elevasse de nível em seus crimes, o fez, e muito, em sua pena.

Tudo começou quando Girino saiu à socapa com um pandeiro da loja de usados do seu Nestor. Ocorre que o previdente Nestor já de há muito andava de olho no Girino e, quando percebeu que o instrumento lhe faltava não teve dúvidas, correu até a porta já gritando para o dono da quitanda, por quem Girino acabara de passar.

- Pega o ladrão!

- O que ele fez? Perguntou o quitandeiro.

- Furtou um pandeiro!

- O quê?  Matou o padeiro? Tornou um dos clientes do quitandeiro, disparando em perseguição ao meliante.

Ao perceber que algo ocorria, dona Maria, comerciante da esquina juntou-se à perseguição, arguindo:

- O que foi que ele fez?

- Matou o padeiro.

- Ah meu Deus, conheço a mulher do padeiro. Ele deixa esposa e três criancinhas!

- Como é que é? Molestou três criancinhas! Exclamou outro que se juntava à persecução.

- Esse não amanhece na cadeia. Tornou o quitandeiro percebendo, ao proferir essas palavras, que já havia se formado um grupo de mais de dez pessoas acossando o Girino que nessas alturas nem lembrava mais do pandeiro embaixo do braço.

- Polícia pra quê uai? Pra quê gastar com cadeia? A gente resolve aqui mesmo, decretou um dos linchadores.

O Girino, que nessas alturas estava virado em pernas sentiu, finalmente, as forças lhe faltarem e tropeçando na calçada foi ao chão, deixando cair um pouco mais adiante o objeto do seu furto.
As cenas que se seguiram, como vocês bem podem imaginar, não foram nada bonitas.

Orelha cortada, olho vazado, dentes quebrados... Foi tanto soco, pontapé, paulada, pedrada xingação e cusparada que quando o seu Nestor os alcançou pensou que se tratava de outro assunto.

Ao entender, contudo, que aquilo não passava de um mal entendido que tivera início lá atrás, com seus gritos de “pega ladrão!”, seu Nestor interveio, interrompendo o linchamento.

- Esperem! Esperem! Ele apenas furtou um pandeiro!

A turba parou por alguns instantes, incrédula. Primeiro olharam para o seu Nestor, em seguida para o Girino, que ainda respirava estirado na calçado, e, finalmente, identificaram um pouco mais além, o referido instrumento musical. Foi aí que um membro daquela massa revoltada com todos os supostos crimes do Girino exclamou:

- O quê, além de assassino, molestador de criancinhas ainda é ladrão? O que você pretendia seu homicida safado, que batucassem no seu velório? Pois lá vai!

E o linchamento recomeçou com muito mais violência acompanhado, agora, do som inconfundível do pandeiro que virou um tacape nas mãos dos linchadores.

Finalmente, depois de quinze minutos de pancadaria as agressões cessaram com a chegada da polícia. Na verdade, ao ouvir as sirenes da viatura que, não se sabe por quem, foi chamada, só restaram na calçada o Girino e o pandeiro.

O Girino? Sim, meio surdo, cego de um olho, e utilizando prótese dentária, ele sobreviveu. Já não se pode dizer o mesmo do pandeiro, mas, também, o que apanhou aquele pandeiro!

Cezar Lopes.

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