O nascimento de uma estrela

Caro André:
Claro que o tempo reconstrói nossa memória. Por isso mesmo faço questão de reescrever esse texto que reflete o teu nascimento. Pois bem, foi assim:
Naquele dia 23 de junho de 1998, perto da hora do café, sua mãe me disse:
- Ai, rompeu a bolsa!
Olhei em volta refletindo:
-Mas não tem nenhuma bolsa por aqui!
Fiquei intrigado, procurando ao meu redor uma bolsa que pudesse ter-se rompido. Imaginei que ela tivesse lido isso no jornal, mas logo concluí que uma quebra violenta na bolsa de valores seria manchete e eu já teria lido sobre o assunto. Nesse ínterim, ela interrompe meu raciocínio gritando:
- A bolsa rompeu, chama um táxi!
Convém ressaltar que eu tinha uma parati, na época, mas não estava mais em condições de dirigir depois da terceira cabeçada tentando passar pela parede rumo ao telefone (fica complicado caminhar e pensar na bolsa de valores, na porta, no táxi, no telefone e no nascimento do primeiro filho, tudo ao mesmo tempo). A porta, pude constatar horas depois ao ver as marcas de sangue na parede, era mais para a direita! Minha sogra, espírita, porém, ainda assim, sogra, meses depois veio visitá-lo e comentou olhando para as marcas que ainda resistiam a tantas lavagens:
- Certamente foram os espíritos zombeteiros que mudaram a porta de lugar durante a noite!
O táxi não levou 3 minutos para chegar e saímos imediatamente para o hospital. Mas a dificuldade era decidir qual hospital.
- Vamos para Estância que é mais tranquilo, disse eu.
- Não dá tempo! Vamos ao hospital de Novo Hamburgo. É mais próximo! Falou a Leila.
Quando chegamos à sinaleira decisiva eu dizia:
- Esquerda! Esquerda!
E a Leila:
- Direita! Direita!
Finalmente eu disse:
- Ok, direita!
E ela, simultaneamente, tempo:
- Ok, esquerda!
Nessas alturas o taxista, com o carro parado no sinal aberto, arregaçava as mangas da camisa.
Então perguntei:
- O que o senhor está fazendo?
- Bom, se vocês demorarem muito a decidir vamos ter de fazer o parto por aqui mesmo...
Aí tive de ceder às argumentações da tua mãe e disse:
- Ok, ok, vamos para a direita e, como de hábito, fiz sinal para a esquerda. Acabamos no hospital de Estância Velha mesmo.
Assim que chegamos a Leila foi levada para o segundo andar e eu acompanhando de perto, até que uma enfermeira me segurou com tanto carinho que senti os ossos dos seus dedos tocarem os ossos do meu braço. Depois a ouvi dizer simpaticamente:
- Espere aqui.
Ela pediu com tanto jeito que esperei.
Logo em seguida ouvi uma gritaria tão grande que não tardou para que uma velha manca de bengala e um velho corcunda surdo que levava bengaladas no andar inferior a cada vez que perguntava: O quê? viessem pelas escadas ver o que se passava. Pude presenciar naquele dia três milagres! A velhinha andou sem bengala e o velho surdo ouvia perfeitamente. Quem não viu isso foi a santinha que estava no corredor em atitude de oração, pois, nessas alturas, já tinha se benzido e cobria o rosto com as mãos.
Quando os gritos cessaram pude ver uma enfermeira vir para próximo do vidro onde me encontrava com uma criaturinha quase roxa toda melecada, carregada com todo o carinho e dirigindo-se para uma pia onde, sem preâmbulos, mergulhou-o como se fosse uma toalha suja para ser lavada. Até bem pouco tempo atrás era possível ver minhas unhas cravadas no vidro (devia ser a prova de balas) que me separava de ti, guri. Contaram-me que tempos depois tiveram de trocar o vidro e a santa, por que já estavam virando atração turística e causando transtornos às parturientes da cidade.
Horas depois de tudo isso estávamos em casa, eu, com curativos nos dedos e o sangue do nariz já quase seco, a Leila e tu, André, o maior milagre que aquele dia me proporcionou.
Assim foi teu nascimento. Uma odisseia. Uma aventura tão grande quanto a vida que te aguarda, meu filho. Que Deus te abençoe hoje, ao completares dezoito anos de vida, e sempre. Muitas aventuras te esperam neste mundo. E é desejo do teu pai que todas sejam tão emocionantes, grandiosas e bem sucedidas quanto o teu nascimento. Pois tu és a maior certeza, a garantia divina, que tenho no futuro da humanidade. Bênçãos te cubram para todo o sempre!
Feliz aniversário, meu amado filho.
Cezar Lopes.

Comentários

  1. que lembrança maravilhosa.
    Que texto delicado bonito e bem humorado, bjão Cezar!!!
    Parabéns prá nós e para nosso "Pequeno Príncipe".

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