Trecho extraído do livro "História regional da infâmia"

Uma moleca para Lindoca
Juremir Machado da Silva

"Tudo se interliga: em lugar do bater de asas de uma borboleta, um surto de carrapatos para nunca ser esquecido. Assim começam os mitos e terminam os sonhos.
Ao longo da primeira metade do século XIX, na qual se formaram e atuaram os farroupilhas, Portugal proibiu o tráfico de escravos (1836), o Império Britânico aboliu a escravatura (1834) e a Argentina, de forma gradual (1813), de quem tanto os farrapos sofreram influência, foram mais longe no combate ao odioso e prático sistema de ganhar dinheiro com o suor gratuito dos outros. O Brasil mantevê-se firme. Os republicanos rio-grandenses nunca libertaram os negros. Estavam em guerra. Precisavam de quem trabalhasse por eles. O projeto de Constituição da República (artigo sexto) considerava cidadãos apenas os “homens livres” nascidos no Rio Grande. O decreto de 20 de fevereiro de 1839 estabelecia o uso do tope da nação nos chapéus dos cidadãos, excetuados os escravos. Finda a revolução, os principais chefes republicanos seguiram a vida com sempre a tinham levado e deixaram escravos aos seus queridos herdeiros, segundo os inventários divulgados pela historiadora Margaret Bakos (in Dacal, 1985, p. 95): João Antônio da Silveira (1873), 2 em São Gabriel e 26 em Rio Pardo; Antônio Vicente da Fontoura (1861), 19; José Gomes de Vasconcelos Jardim, um dos presidentes da República Rio-Grandense (1854), 47; Bento Gonçalves da Silve (1847), 53.
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Antônio Vicente da Fontoura, o homem que negociou a paz com os imperiais, tendo ido ao Rio de Janeiro como emissário farrapo, nunca escondeu o seu racismo nem a sua defesa da escravidão. No diário que escreveu em 1º de janeiro de 1844 e 22 de março de 1845, anotou, num momento de nostalgia e saudades da família, este sonho de bom pai: “Cruzam-me na idéia mil planos: deste tiro o lucro para comprar uma moleca para Lindoca; de outro mais um cozinheiro; e inda de mais outro, de ver decentemente vestidos os nossos filhinhos. Ah! Muito vale aos infelizes a esperança” (1984, p. 54). Não é tocante? Era o dia 5 de março de 1844. Vicente da Fontoura sonhava com a paz. Nada como imaginar, no meio da guerra sem fim, um futuro de progresso, de liberdade e de crianças bem vestidas brincando com seus negrinhos escravos!"

Recomendo o livro do Juremir Machado da Silva, "História regional da infâmia", sobretudo, para aqueles que se ufanam dos grandes feitos dos farroupilha. "Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a Terra", para que conhecendo-as, nunca mais, nenhum povo, as repitam.

Falecido escritor - Cezar Lopes.

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