O Abraço
Saiu do
mercado com duas sacolas. Lentamente percorria os duzentos metros que o
separavam de sua casa. A certa altura, cruzou a rua para escapar do sol que
insistia em cegá-lo! Achou engraçado aquele pensamento. Não seria cego de qualquer
forma? Ninguém poderia esclarecê-lo. Aqueles que concordavam com suas ideias o
chamavam de amigo, inteligente. Os que discordavam o rotulavam de idiota, sem
capacidade. Ora, que se danem todos, ironizou.
Subitamente
ergueu a cabeça e viu a rua deserta. Sempre estava deserta naquele horário. Em
seus pensamentos enxergou Deus logo adiante, bem ali na esquina de sua casa.
Pois bem, conjecturou, Deus poderia mesmo estar ali à sua espera, porem, não o
encontraria quando chegasse lá. Afinal, para estar com Deus primeiro se fazia
necessário crer, ter fé. Todavia, fé nunca fora seu forte. De toda forma, não
chegaria à esquina, pois sua casa ficava no meio da quadra. Aparentemente, Deus
teria de esperar mais um pouco, o que não significa nada para quem sempre
existiu e sempre existirá. A eternidade deve ser um tédio, imaginou. Quem sabe
não foi por isso que Lúcifer se desgostou e caiu? Talvez tudo o que ele
quisesse fosse ser mortal por algum tempo, desobedecer as ordens sagradas,
dançar rock, fumar unzinho e virar pó. Bem, camarada, se essa era a intenção, o
tiro saiu pela culatra. Não é verdade?
Enquanto
andava imaginava-se bem velhinho. A sensação de haver desperdiçado sua vida o
assolou. Agora, no auge dos seus
quarenta anos, não tinha mais o que fazer a não ser esperar a morte e torcer
para que fosse rápida e indolor. Rápida e indolor; riu. Seria esperar demais da
ceifadora. Embora as chances estivessem ao seu favor. Vivia fazendo exames e
estes insistiam em não apontar nada de clinicamente errado consigo. Mas, se não
havia nada, então por que aquela dor no peito? E por que a cada dia, e cada dia
mais, ao engolir o alimento que preparava sentia aquelas ferroadas? Nunca
saberá a resposta. Caiu morto no portão de casa. Infarto fulminante.
Na esquina,
Deus sorria para ele com os braços abertos. Demorou, refletiu, mas enfim,
ganhei um abraço!
Cezar Lopes
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