O Bolo



Moro sozinho, sem gatos nem cachorros, e sou diabético. O que tem o diabetes a ver com essa estória? Bem, não se encontra doces para diabéticos em qualquer esquina e eu estava desejoso de comer um bolo de chocolate. Foi assim que tudo começou.

Para fazer um bolo, segundo minhas pesquisas, uma das coisas de que precisaria além do pacote de bolo, evidentemente, seria uma batedeira. Mas eu não tinha batedeira. Então fui até uma loja de departamentos e rapidamente encontrei o que procurava. Batedeiras! Sim, eram várias! Dos mais diversos tamanhos, das mais diversas cores e marcas. Ótimo! Contudo, eu só quero fazer um bolo de chocolate. Procurei a mais simples.

Enquanto escolhia uma vovó às minhas costas comentou:

- Só 150 watts? Essa é muito fraquinha!

Respirei fundo e fiz de conta que não era comigo. Logo chegou a acompanhante da vovó e acrescentou dirigindo-se a mim:

- É mesmo. Essa aí é muito fraquinha. O senhor vai se arrepender.

Aí fui obrigado a retrucar, pois o sangue italiano já estava começando a fazer efeito...

- Mas eu não quero mexer concreto! Só quero para fazer um bolo de chocolate!

Disse aquilo, peguei minha batedeira, coloquei no carrinho e fui para a fila do caixa. Minutos depois, atrás de mim na fila, quem está? A vovó. Que olha mais uma vez para a minha batedeira e solta num suspiro:

- É... Muito fraquinha!

***

Volto para casa com minha batedeira nova e, quem me espera na porta? A Tereza!

A Tereza é uma rica pessoa que me faz lembrar como a vida pode ser simples e tranquila. Lembro-me disso sempre que ela vai embora.

Pois, assim que cheguei o que é que eu mais queria fazer? Inaugurar minha batedeira nova fazendo um delicioso bolo de chocolate! O tesão era tamanho que já estava salivando.

Mas assim que tirei a batedeira da sacola a Tereza já me saiu com essa:

- Uma batedeira! Para quê?

Trinta e três graus e subindo...

- Para fazer um bolo de chocolate. Já esmiucei para não dar espaço a novas ilações. Contudo, trata-se da Teresa. Ela não pararia por aí.

- Mas e por que não faz com o liquidificador? É a mesma coisa!

Trinta e cinco e subindo...

- Tereza, se fosse a mesma coisa, não tinham inventado a batedeira, ou o liquidificador. E mesmo que seja a mesma coisa, é por que eu quero. Pronto!

Pensa que ela desistiu? Você não conhece a Tereza!

- Nossa, mas isso dá uma sujeira! Uma bagunça! Por que não compra o bolo pronto, se é só para ti?

Falei, não falei?

Trinta e nove e subindo...

- Tereza, se der bagunça é problema meu! Sou eu quem vai limpar mesmo! E prefiro fazer pelo ritual. Sou uma pessoa ritualística. Rituais me aprazem. Agora deixa eu fazer meu bolo em paz!

Dessa vez Tereza não disse nada. Ficou encostada na parede da cozinha de braços cruzados, só observando.

Hora de preparar o bolo. Um ovo, 120 ml de leite, o pacote do pó, tudo na batedeira novinha de 150 watts preta. Potência máxima por cinco minutos e depois levar ao forno de micro-ondas por sete minutos. Pronto! Agora é só... Ligar...

Foi pó para todo lado. Tapou a batedeira e a pia de pó de bolo de chocolate diet. E a Tereza? Ria. Não, ria não, gargalhava! Respirava arfante e repetia zombeteira:

- Eu disse que ia dar bagunça! Qui, qui, qui, qui, qui... Se tivesse feito no liquidificador... Quá, quá, quá, quá, quá...

Temperatura... Fora de escala...

E foi assim que eu vim parar aqui Dr. Antunes. Lei Maria da Penha! Agora, me faz uma gentileza, pega umas mudas de roupa lá em casa e me traz um pedaço de bolo, que já está pronto!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CONFITENTE

Saída do inferno

Reflexões Pensamentos e Algumas Bobagens