Os Zés
Foto João de Carvalho
O Zé é meu vizinho. Dele dizem os
de fora: uma candura de pessoa.
Zé acorda cedo
faz sua higiene, toma café e vai trabalhar. Não é o trabalho que sua mãe queria
para ele, num escritório de gravata e paletó, afinal, quando mais jovem
preteria os estudos em função do futebol, da bicicleta e de “correr rua” como
dizia sua genetriz.
Embora o
trabalho não seja dos melhores, Zé sabe muito bem que há outros piores.
Trabalhar como pedreiro, por exemplo, fazendo massa e erguendo paredes num sol
de 40 graus sempre seria um bom exemplo. Essa imagem de si mesmo sujo de massa
e cheirando a suor todos os dias sempre o assustou, de sorte que se dá por
muito contente trabalhando como vendedor numa grande loja de departamentos. O
dinheiro é pouco, mas o bastante para sustentar a esposa e a filhinha com
dignidade.
Desde sua chegada
à empresa Zé sempre foi muito bem quisto. Sorridente, brincalhão, “um amor de
rapaz” como diz dona Viviane, a senhora da limpeza. Durante o expediente sua alegria é
contagiante. Não há quem, desde seus superiores até os clientes mais rabugentos
não se encante com sua vivacidade e seu positivismo que para alguns foi depreendido
diretamente do próprio Augusto Comte. Disposto e fagueiro mantém a animação de
todos os colegas mesmo nos dias mais tristes, como quando morreu a cachorrinha
da Cibele, a moça do caixa. Aquela cachorrinha de pelo cinza esvoaçado e
lacinho cor-de-rosa era um encanto. Quando
veio visitar a loja acompanhando sua dona num dia de folga ele foi o primeiro a mimá-la com biscoitos e água mineral. Noutras vezes,
já prevenido, comprara ossinhos dos mais variados sabores para ela.
- Um rapaz
desses, atencioso e gentil... É o filho que toda mãe pediu a Deus! Repete
constantemente Joana, quando o vê passar por entre os produtos rumo ao pacote,
onde trabalha a senhora sexagenária, sempre de alto astral, alegrando aos
colegas e ajudando aos clientes.
Zé nunca
reclamou de trabalhar em feriados ou em finais de semana. Faça chuva ou faça
sol, está sempre lá, cumprindo seu horário com um sorriso no rosto. Volta e
meia até passa uma cantada na menina do Administrativo. Não que seja de
verdade, mas... Esse Zé... Mesmo quando algum cliente resolve transferir suas
frustrações para alguém e o toma por Cristo, o rapaz não se deixa abater e, na
maioria das vezes, consegue arrancar um sorriso do ranzinza, ainda que seja de
ironia, como diz, um sorriso é um sorriso.
No culto Zé é
sempre motivo de admiração. Canta bem, exorta, dá testemunho da graça. Segundo
a comunidade religiosa da Vila do Desespero, trata-se de um verdadeiro exemplo
a ser seguido. Numa das reuniões o Pastor Reinaldo o agraciou com uma salva de
palmas de quase cinco minutos por suas constantes contribuições para a obra do Senhor.
Esses são os
dias do Zé. Sua energia parece inesgotável. Mas, quando chega de volta ao lar...
Quem te viu e quem e vê, não é ô Zé. Ao sair do veículo sua fisionomia se
transforma. Aquele Zé alegre e jovial cede lugar a um Zé soturno, casmurro. Uma
personalidade ignóbil e cruel assume no exato momento em que a porta da garagem
se fecha.
Assim que
entra em casa até os grilos se calam. As moscas não voam, caminham pé por pé. Sua
jovem esposa, Letícia, se encolhe, toda tímida, com receio de incomodar e, certo, medo
das consequências. E quando a pequenina chora querendo um carinho, um afago, o
que você faz Zé?
- Cala essa
boca! Vocifera. Não tá vendo que o pai tá cansado?
Ela só tem
três aninhos Zé.
Ela não está
vendo não.
Não
precisa bater nela Zé.
Ela só quer atenção.
O Zé é meu
vizinho. Uma candura de pessoa, dizem os de fora.
Cezar Lopes.
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