Já Tenho

Estava eu no meu passeio socrático deixando as pernas me conduzirem por entre os vendilhões, observando aquela multidão atarefada, sempre correndo para não ir a lugar algum, quando, subitamente, um ambulante se achega.

- Ei, amigo, quer comprar um céu?

- Não, obrigado, já tenho, respondi.

- Mas este aqui é muito melhor, olhe, veja! Celestial, não é? E baratinho...

Para não lhe ofender detive-me por alguns instantes, dando assim uma folga aos meus calcanhares cansados das estradas deste mundo e observei seu produto. Por fim, concluí:

- É, é bacana. Mas o meu ainda é melhor. E fiz menção de retomar meus passos. Mas o vendedor não se deu por vencido:

- E... E que tal um inferno? Olha esse aqui... Infernal, não acha? Garanto que esse é melhor, digo, pior, que o seu.

Bem, já que estava ali, não me custava dar-lhe um pouco mais de atenção. Olhei para aquele inferno e cheguei a achar graça.

- He, He... Podes ter certeza de que o meu é bem pior rapaz!

- Não é possível! Ninguém pode ter um inferno pior do que este!

- Escuta, não só é possível como é real. Todos têm infernos e céus e cada um à sua maneira vive-os no seu pior e no seu melhor, é tudo uma questão de tempo.

Mas não desanimes. Quando entenderes o significado disto, então, terás deixado para trás esta necessidade de encontrar alguém que tenha um inferno pior ou um céu melhor que o teu. E não saias exibindo-os por aí. Quem se importa contigo, conhece o teu céu e se regozija por ti. Quem não se importa quer mais é ver-te no inferno.

- Mas se não for assim, vou viver de quê?

- Pastel.

- Pastel?

- Exato, fica pronto em dez minutos e quem não come, ao menos, não se importa. Às vezes faz muito bem passar despercebido!

Finda a conversa, voltei para casa, trazendo comigo meu céu e meu inferno, e morto de fome! Hum, que tal uns pastéis? Estão servidos?