Francelino Levou Choque

No ano da graça de mil novecentos e setenta e dois nasceu Francelino Roque Cruz, filho único do Sr. Edvaldo Cruz e dona Lucimeidi Roque Cruz.
Contam os mais próximos que já nos primeiros ensaios de engatinhar Francelino logo descobriu uma tomada e meteu o dedo. Foi seu primeiro choque e tomou gosto pela coisa.
Assim, mesmo ante as medidas salutares de seus pais tampando as tomadas com protetores, o menino logo descobriu como removê-los e ainda como colocá-los de volta, para não levantar suspeitas.
Claro que sua mãe percebia os cabelinhos arrepiados, mas, por mais que se esforçasse em descobrir onde o menino tomara choque jamais lograra êxito.
Seu pai chegou a sentenciar, certa vez: esse menino puxou aos Cruz mesmo, gosta de tomar choque!
Na escola Francelino procurava sentar sempre ao lado de uma tomada. Era chegar o dia de uma prova e pronto, lá estava o Francelino gemendo baixinho, com o dedo enfiado na tomada, dê-lhe tomar choque.
Mirrado, se cor e sem graça, no acampamento de férias aos 13 anos Francelino causou um black-out de tanto tomar choque.
Quando se alistou aos dezoito anos foi prontamente dispensado. Postou-se junto a uma tomada e a tudo respondeu sempre tomando choque. Quando o médico examinou-o levou um choque e irritado, mandou-o para casa argumentando: o exército não tem o que fazer por você rapaz, você nasceu mesmo pra tomar choque.
No dia do seu casamento Francelino descobriu, junto ao altar, uma tomada trifásica. Casou-se com Fredegunda, mãe solteira de nove filhos de pais desconhecidos.
Dizem que na hora do beijo a tensão era tanta em Francelino que a noiva foi jogada a 2 metros de distância. Contam que o padre mandou cobrar, um mês depois o excesso de consumo de energia naquele dia. Francelino recebeu a fatura já com o dedo na tomada.
Sem agüentar suas excentricidades Fredegunda pediu o divórcio e mais uma pensão para cada um dos filhos do casal. Dos dois, já contavam três.
Corre entre os membros do cartório que Francelino assinou a separação com a mão esquerda, pois só havia tomada disponível ao alcance da mão direita, e ainda assim com a ajuda providencial de um clipe para papel.
Passaram-se os anos e francelino finalmente conseguiu a tão esperada aposentadoria. Assinou os papéis no INSS ao lado do funcionário, pois só assim alcançava uma tomada.
Finalmente, certo dia, circulou por toda a cidade a notícia de que Francelino falecera. Era um de seus filhos que contava o fato e esclarecia: morreu eletrocutado.
Nem o padre foi ao velório. Só o coveiro esteve em seu enterro.
Inquirida, meses mais tarde, sobre o porquê de tamanha apatia pela notícia da morte de seu ex-marido, Fredegunda foi taxativa: Francelino viveu sua vida tomando choque, quando o filho noticiou que morreu eletrocutado, não lhe deram crédito.
Cezar Lopes

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