“Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem!”
Eles se
encontraram num grupo de viagens do facebook. A promoção anunciava um tour pela
Terra Santa. Compraram as passagens e começaram a trocar informações.
Quando alguns descobriram
ter por lar a mesma cidade decidiram se encontrar uma semana antes da viagem
para se conhecerem. Tratando-se de uma viagem religiosa, Pedro o líder do subgrupo
– formado a partir do grupo da agência - entendeu ser de bom alvitre pedir as
bênçãos dos céus antes da viagem, assim, tomou a frente e marcou o encontro na
porta da Catedral. Assistiriam a uma missa encomendada por ele em favor de sua
sorte na viagem e depois poderiam sair e bater um papo, trocar algumas ideias. Alguns
ainda argumentaram que eram religiosos, mas não católicos. Outros eram
católicos, mas não praticantes.
-
Não importa, todos seguimos a palavra de Cristo, isso é o que vale! Sustentou Pedro.
Dessa forma, ainda
que não muito interessados, todos terminaram por concordar afinal, mal não
faria.
No domingo
marcado, meia hora antes da missa lá estava o Pedro, na porta da Catedral com
um sorriso franco e uma sacola cheia de camisetas que encomendara – era uma
surpresa para seus companheiros de viagem.
Um a um os
membros do grupo foram chegando e, à medida que se identificavam, recebiam suas
camisetas - cuja estampa frontal, além do crucifixo, exibia os dizeres “Rumo à
Jerusalém” - e ficavam por ali conversando enquanto aguardavam a hora da missa.
Onze estavam
presentes. Faltava um. O Tadeu. Embora atrasado, finalmente ele chegou. Cabelo
desgrenhado, barba por fazer e uma barriga de cerveja daquelas! Era estudante
de História e aproveitaria a viagem para ampliar seus conhecimentos sobre
aquela região que desde menino o fascinava!
Tadeu recebeu
sua camiseta e imediatamente começou a destoar dos demais! Não vestiu a
camiseta. A conversa prosseguiu.
- Bah, vocês viram a esposa do Lula? Falou Carlos retomando as conversas após a
chegada do último membro do grupo.
-
Sim, disse Pedro, menos um...
-
Como assim cara? Quis saber Tadeu.
- É, corrigiu Marcos, sorridente, menos um não, menos uma. Agora só falta o
chefe!
A exceção do
Tadeu, todos riram. Com uma personalidade forte, o rapaz não se conteve:
- Cara... –
principiou, respirou fundo e prosseguiu medindo as palavras para evitar
constranger alguém – Não acho que seja legal rir da morte de alguém.
Os demais
olharam imediatamente para ele, se entreolharam e tronaram a examiná-lo.
Tiago, o menor
– assim chamado por ser menor que seu xará do grupo, se adiantou e perguntou em
tom nervoso:
- Tu és
comunista por acaso?
- Não,
respondeu Tadeu. Só não acho legal rir da morte de alguém simplesmente por essa
pessoa não nos agradar. No caso fica ainda pior, pois a dona Marisa sequer
militante política era. Por que, então, esse prazer mórbido na morte de alguém,
na dor alheia.
- Ninguém aqui
está rindo da morte dela, interveio Marcos tentando acalmar os ânimos, estamos
apenas comentando que um dia a conta vem. O Lula fez um tremendo mal para o
país, quer que a gente tenha pena agora?
- Pena? Não.
Pena é um produto da empatia. Sentir a dor do outro, indiferente ao fato de concordar
com esse outro ou não. Agora, respeito, penso, seria, no mínimo, uma questão de
civilidade.
- O mínimo
mesmo! Retorquiu João, um fiel evangélico de carteirinha que não precisava de muito
estímulo para altera a voz, quase gritando.
O céu azul,
repentinamente, fez-se cinza. Começou com uma nuvenzinha, depois outra e mais
outra e a missa, bem, a missa tardava a começar.
Pedro, o mais
velho e prudente, interveio contemporizando, afinal, cada um pensava de uma
maneira e não havia problema nisso.
As conversas
mudaram de rumo.
Na tentativa de acalmar os
ânimos, Tiago, o maior – um metro e oitenta e oito, para ser preciso – começou a
questionar sobre o roteiro estabelecido pela agência. Paulo, um experiente viajante
que conhecia toda aquela região além da Grécia e Itália, entre outras tantas
terras, explanou sobre as belezas e o a riqueza cultural daqueles povos.
Todos
estavam embevecidos ouvindo Paulo. No céu, um raio de sol começava a rasgar as
nuvens carregadas quando Tomé, o cético do grupo, até então calado, se
manifestou:
- Bah, tomara que
nossa viagem seja tranquila!
- Por que não?
Quis saber Filipe que tinha um amigo chamado Natanael, morando na região da Alta
Galileia e que lhe informava que a região, em geral, era segura, embora, de uma
hora para outra tudo pudesse mudar, claro!
- Bah, esses malditos
muçulmanos! Exclamou Bartolomeu!
- Por que
malditos? Quis saber Tadeu.
- Bah! Não te
faz Tadeu! Tu acha certo essa gente ficar matando judeus e cristão como moscas?
Vai dizer que tu também é a favor disso? Tornou Bartolomeu.
- Claro que
não. Mas também não acho certo generalizar. Do jeito que tu falas parece que
todos os muçulmanos fazem isso. Ademais, talvez você não saiba ou não se
importe em saber que o povo muçulmano vivia lá no seu canto até que os
exploradores europeus resolveram salvar a terra prometida dos “infiéis”
muçulmanos. Durante as cruzadas esse povo foi impiedosamente massacrado, teve
seus tesouros saqueados afinal tudo era permitido em nome de Deus – disse apontando
para a porta da Catedral!
E diante da
perplexidade do grupo, concluiu:
- Depois, mais
recentemente, vieram os ingleses, os franceses e finalmente os americanos plantando
a discórdia e semeando a violência naquela região. Destruindo famílias
inteiras, estuprando e violentando mulheres e crianças, removendo-os de suas
casas, fazendo-os abandonar tudo o que tinham, toda sua vida. Agora, se a tua
casa fosse sistematicamente invadida, tua mulher violentada, teus filhos mortos
e tu não tivesse para onde ir e nem a quem recorrer, não chegaria um momento em
que tu revidarias?
Quando se
calou Tadeu percebeu que o grupo ouvira, consternado, suas considerações. O lábio
inferior de Bartolomeu tremia. Pedro estava com a boca aberta refletindo se
devia dar azo a um novo embate. João, o evangélico explodiu:
- É... Pela
tua lógica eles devem ser uns anjinhos inocentes. Mas também de um cara que
defende o Lula e a Marisa, né? O que se pode esperar! Humpf... Como é teu nome
mesmo?
- Tadeu. Judas
Tadeu.
- Ah tá! Tem
certeza de que não é Iscariotes? Judas Iscariotes?
Entrementes, o sino tocou!
Salvo pelo
gongo, pensou André, outro membro do grupo, prevendo uma nova e mais acirrada
discussão, pois o iracundo João na medida em que falava ficava cada vez mais
vermelho e se aproximava cada vez mais do seu interlocutor que, calmamente,
mantinha sua posição.
- Bem,
interveio Pedro, o papo está bom, mas temos de entrar pessoal, senão vamos perder
a missa!
Os membros do “Rumo
a Jerusalém” começaram a se dirigir lentamente para a porta da Catedral
enquanto Tadeu ficava ali, parado, contemplando-os enquanto se afastavam.
Os sinos
cessaram. Apenas Tiago, o menor, restava ali, pensativo. Então, tomando a
palavra o jovem convidou-o:
- Você não vai
entrar Tadeu?
- Cara, acho
que não rolou uma química muito boa entre nós. Melhor eu ir embora!
Mascando um
pouco o verbo enquanto ordenava o pensamento Tiago ainda inquiriu antes de se
voltar para entrar:
- Tadeu, tem
certeza de que tu não é comunista?
Tadeu não
respondeu. Ficou ali em pé, apenas observando e refletindo sobre o que via.
Um grupo de
homens que se entendiam “de bem”, que se alegravam com a morte de alguém, que celebravam
o sofrimento de alguém e que desejavam o extermínio de todo um povo, entrado
sem pudor nem culpa, numa Catedral para pedir proteção usando camisetas onde se
lia nas costas: “Orgulho de Ser Cristão”.
- Pai, perdoai-lhes... Disse. E se retirou.
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