DEGENERAÇÕES

                   – Que pó preto é este?

Debaixo da porta um pó preto, enchia uma colherinha de café, caíra durante a noite. Mesmo com a janela aberta, a claridade que entrava no quarto era fraca porque, lá fora, o dia nublado prenunciava chuva. E, além disso, eu ainda estava carregada de sono, a noite não havia sido suficiente para esgotar a cota do sono que este corpo de mais de sete décadas faz jus. Com dificuldade para me manter em pé – pois os joelhos estão cobrando descanso e reclamam do peso da massa corpórea – dirigi-me ao banheiro, apressadamente, precisava rápido chegar. Na volta, aliviada, acendi a luz, busquei os óculos para conferir o falado pó preto. Foi traumático abaixar até o chão. Outra vez, difícil foi agüentar o desconforto de genufletir para enxergar a misteriosa aparição tão distante da minha vista. A curiosidade foi mais forte. Passei suavemente a ponta do dedo indicador, a circulação já levou boa parte do tato, julguei que era pó de café. Melhor examinei, esfreguei um dedo no outro, vi que era outro pó. Passei alguns segundos semi-ajoelhada com os meniscos aumentando os apelos de saturação, me ergui em slow motion e...

A faxineira chegou, como sempre, contando com detalhes as novidades do percurso de 10 a 15 minutos da viagem de ônibus. Em silêncio, ouvi os fatos com apresentação oral das cenas. Um jornal falado! Num hiato da narrativa, apontei para o citado pó:

– Que pó é este, de onde vem? Que é isto?

– Madeira velha enche de cupim. Com o tempo tudo gasta, fica podre, tudo é carcomido... Até as pessoas.
Fiquei quieta.

Ione Jaeger.

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