PORTARIA HIGIÊNICA

Há uns três anos recebi por e-mail um power points (pps), falando sobre a delícia, maciez  aveludada etc, de  conhecidíssima marca de papel higiênico  (papel dichieno, como dizia a Alemoa, faxineira do prédio). Era uma crônica engraçada, não me lembro o autor.

           Após a leitura, quedei-me a ruminar sobre o popular objeto - indispensável e íntimo.
           Quando criança, bem pequena, lembro-me do bloquinho de papel sanitário. Era um bloco de verdade. Cem folhas, mais ou menos de 15 x 12 cm. Podia ser de fabricantes diferentes (poucos), porém todos da mesma cor, não havia coloridos nem perfumados. Contou-me uma professora que o diretor da escola quando alguém buscava a chave para ocupar o sanitário, junto recebia a cota do papel. Duas folhinhas. E se vira!...

           A vizinha, uma garota da minha idade, falou que na sua casa usava-se somente aos domingos. Luxo! Nos dias de visitas. Demais dias, era jornal. O emprego desse substituto deixava a roupa interna (calcinha e cueca) preta nos fundilhos. Naquela época, calcinha e cueca eram brancas, de tricoline ou morim. As mais abastadas senhoras possuíam calçolas de seda, cetim, bordadas, rendadas.

          Outra alternativa, o papel de pão – branco, amassado antes do uso, era de utilidade muito comum e econômica, pois o pão francês de meio quilo vinha embrulhado numa folha de bom tamanho. O do cacetinho satisfazia a necessidade de um só usuário.

          Dona Cela, rica fazendeira das bandas de Camaquã, ajuntava sabugos de milho para a peonada aproveitar na limpeza higiênica.

          Nomeada professora estadual, há seis meses Teresinha havia assumido o cargo. Ansiosa e desiludida esperava todos os dias o primeiro pagamento.

          Um documento alvissareiro recebido na escola trouxe-lhe a boa notícia. Colocou a folha de suave de seda na mesa da sala. Mal terminou o almoço foi buscar a garantia de botar a mão na grana. Porém a PORTARIA expedida pelo Tesouro do Estado, com assinatura do governador, sumira. Sumiu a esperança.
          Procura daqui, procura dali e nada! Desesperada, resolveu dar uma conferida na caixa de papéis usados no banheiro. Ei-lo, amassado com vestígios da utilidade higiênica. A jovem teve um ataque de choro, de brabeza, de decepção.  E falação.  A mãe se desdobrava para aliviar o desencanto da filha:

          – Teresinha, uma casa com tanta gente, a maioria crianças, você deixa um papel importante à vista?

          – Se o danado pegasse para outra coisa! Logo para isso?!  Com que cara vou levá-lo na Exatoria cheirando a bosta?

           – Pior se tivesse rasgado. Dê graças a Deus que está inteiro.
          A mãe pegou o papel, umedeceu um pano, delicadamente limpou, protegeu-o nas dobras de uma fralda e passou a ferro. Limpo, seco, intacto, apresentável, pingou uma gota de perfume. Enquanto a senhora trabalhava na impecável restauraçãoda ordem de pagamento, Teresinha dirigia austera inquirição na família. Começou pelas crianças. Faltava alguém – o Cacá, garoto de oito anos.

          Encontraram-no. Escondido no alto de um velho pé de goiaba branca!!!
         A professorinha voltou feliz, recebera seis meses de ordenado, um dinheirão, esqueceu o drama do início da tarde, trouxe presente para os irmãos menores. Entregando o pacote para o Cacá:

           – Seu Vasconcelino, enquanto me atendia, revistou três vezes a sola dos seus sapatos. Não sabia ele que nas mãos tinha uma portaria higiênica!
Ione Jaeger
Set de 2007

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