A vila da viúva seca

- Nem uma lágrima, comentou seu João.

- Nenhuma? Nenhuma mesmo? Quis saber o velho carpinteiro.

- Nem uma, retornou seu João balançando a cabeça. E completou: a viúva não derramou nenhuma    lágrima sequer. A mulher é seca por dentro.

Devagar como a cidade, a novidade foi se espalhando e crescendo.

- Diz que até sorria, falou dona Maria, a lavadeira mais afamada do vilarejo. E também a única.

- Quando levantaram o caixão viram ela fazer o sinal da cruz ao contrário. É coisa do demônio! Confidenciou o bêbado ao botequeiro.

- Sabia que era bruxa. Falam que viram ela no cemitério depois do enterro, de noite. É feitiço, com certeza, esclareceu dona Flora, a primeira dama que seria, se a pequena vila fosse emancipada, abição que acalentava junto com todas as outras desmentidas pelo tempo que deixa rotos os sonhos pobres dos espíritos sem criatividade.

- Dias antes de ele morrer diz que ela vendeu a alma dele pro capeta, retorquiu Nora, a vizinha da primeira dama, como se auto-intitulava.

Assim as conversas prosseguiram sem que ninguém tivesse o trabalho de saber qual o motivo daquela atitude naquele instante derradeiro.

Finalmente, quando os comentários chegaram aos ouvidos do padre Humberto este repreendeu a todos os paroquianos no sermão do domingo, repudiando aquela atitude desonrosa e pecaminosa aos olhos do altíssimo.

Na manhã de segunda as conversas eram outras e a vida seguiu lânguida, indolente, na vila da viúva seca.

P.S.: O mendigo, curioso, tempos depois perguntou o motivo à viúva. Ela jamais respondeu.
Cezar Lopes.

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