Das trevas à Luz, o mítico vinho da Floresta de Scrum


Mestre João estava sentado contemplando o arrebol quando alguns aprendizes cercaram-no, esperando, certamente, ouvir mais uma de suas histórias para tentar desvendar seus segredos.

Compreendendo muito bem a intenção dos jovens Mestre João não regateou. Fazendo sinal para que sentassem à sua volta, começou sua narrativa.


Em uma cidade vizinha, há muitos anos, havia um rapaz chamado Roberto. Ele estava em situação financeira difícil e por isso, aceitou o trabalho de revender o vinho produzido por seus avós na serra. Importa, porém que vocês saibam que, igual a vocês, Roberto tinha consciência, ele recebera a Luz.

Banca posta na praça central da cidade, mercadoria disposta sobre a banca, todos os dias o rapaz anunciava seu produto como sendo um excelente vinho pelo preço de sete reais a garrafa.

Mas estava difícil convencer seus fregueses de que valeria a pena dispor de sete reais por um produto que, no mercado, poderia ser conseguido por cinco reais, e a situação de Roberto apenas se mantinha, sem sinal de melhora.

Certo dia, voltando pra casa, Roberto teve uma idéia, capturada em fragmentos de conversas dispersas durante a viagem, construiu sua estratégia para vender e ganhar muito mais com aquele vinho barato.

Assim que chegou em casa apanhou seis garrafas de vinho, retirou-lhes o rótulo, limpou-as com cuidado e pôs uma a uma dentro de sua bolsa.

No dia seguinte, ainda de madrugada, Roberto saiu em direção à estação rodoviária e embarcou no ônibus para a Capital.

No mercado público, armou sua banca e expôs seu produto anunciando:

- Aproximem, aproximem-se! Venham conhecer o inigualável vinho produzido a partir das uvas selvagens da floresta de Scrum!

O povo começava a se aglomerar e Roberto prosseguia.

- Sim, senhora e senhores, este é o vinho produzido a partir das raríssimas uvas selvagens que nascem apenas nos penhascos íngremes da floresta de Scrum, Onde só podem ser apanhadas pelos Mestres viticultores da floresta, também conhecidos pelos habitantes do local como proprietários dos penhascos íngremes de Scrum! Venham e aproveitem pois tenho comigo as seis últimas garrafas, o restante desta safra. Outra safra só daqui a dois anos senhoras e senhores. E estas estão disponíveis para os afortunados que tiverem a sorte de pode pagar a bagatela de trinta e cinco reais por uma dessas garrafas, contendo o vinho mais delicioso produzido a partir das uvas selvagens que nascem apenas nos penhascos íngremes da floresta de Scrum!

Em menos de uma hora, Roberto embarcava de volta para casa com a bolsa vazia e com duzentos e dez reais no bolso. Mas no fundo de sua alma ele sabia que escolhera o caminho mais fácil e que, cedo ou tarde, teria de responder por isso.

Agora, tornou Mestre João, o que esta história lhes diz, jovens aprendizes?

- Que ele não vendeu o vinho, ele vendeu uma fábula, afinal, todo penhasco é íngreme e uvas não nascem em penhascos, mas em parreiras, disse um.

- “Jísus” man, dane-se! Eu não preciso de vinhos místicos ou míticos para ser feliz! Ainda mais ao preço de trinta e cinco reais a garrafa!

- Ele trabalhou em cima da ignorância daquele povo! Tornou outro.

- A ignorância, jovens aprendizes, é uma ferramenta a serviço da mediocridade! Cuidado! Aqueles que recebem a Luz têm o dever de dimaná-la ao seu redor. Mas essa é uma tarefa árdua e perigosa! Pois é mais fácil arrastar mil homens para as profundezas abissais da mediocridade, do que guindar um único homem à luz da consciência de sua própria ignorância.

E dizendo isso, calou-se, e pô-se a contemplar as estrelas que, lentamente, surgiam como faróis distantes, indicando caminhos na escuridão celeste daquela noite fria que, vagarosamente, se anunciava.



Em homenagem ao meu amigo, meu irmão, o Mestre João Sant’Anna.

Falecido escritor Cezar Lopes.

Comentários

  1. E quantos não vemos diariamente por aí?

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  2. Esse é o espírito. É o que digo aos que me perguntam se a história se refere a alguém em particular. Claro que não! Por isso mesmo, se refere a todos os que "vemos diariamente por aí" e a alguns que nunca veremos "pero que los hay, los hay".

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